Fotografias à sorte, tiradas nos passeios que dávamos pela cidade. Trabalhávamos das 7h da manhã até às 2 ou 3h da tarde. Dois dias de permanências em fins de tarde, um dia de folga. 5ªs feiras as lojas estavam abertas até às 8h da noite. Era nesses dias em que se andava por todo o lado, Holland Park, Kensington, Portobello, Camden, Marble Arch, Oxford Street, Sloane Square, King's Road, Regent Street, Piccadilly, Soho, Tottenham Court Road, aqui se via o único arranha céus do centro da cidade, completamente deserto. Muita rodagem a pé e muitas roads. Há lojas e lugares de que me lembro os nomes, ainda hoje. Faltam-me os museus onde conheci ao vivo os meus pintores e escultores preferidos; e o British Museum onde fomos, tenho a certeza, e donde não passámos da primeira ou segunda sala, tal a quantidade de coisas para ver! Aprendi, mas muito mais tarde, a estudar percursos e procurar para ver apenas os lugares e exposições que me interessavam.
E, é claro, os parques, os imensos espaços que são um espelho dessa cidade tão multi-facetada. Não se andava um quilómetro que não se encontrasse um parque, árvores, alamedas, relva, canteiros de flores, bancos convidativos. De repente, estava-se fora das ruas, do trânsito, das pessoas. É a cidade de harmonia, de confusão e paz-perto, que recordo; e foi essa que tentei rever e percorri, sempre, nas diversas vezes que lá fui depois.
Aqui em St. James Park
Uma nota prosaica no devaneio (aqui) da cidade de Londres. Será que as cidades sonhadas têm uma outra qualidade que não têm as que conhecemos bem e onde vivemos? É a idade, o improviso, a novidade? A diferença da realidade ao sonho. De como esses anos em Portugal eram abafados e atrasados: ali conhecemos outros mundos, falamos e ouvimos pessoas de todos os continentes e países, vimos filmes que ainda nem se sonhava ver cá, jornais e notícias, livros, exposições. Comemos comida do Vietnam, da Índia, de Itália, de Grécia, outros sabores diferentes. Os únicos livros que se compraram sobre a verdade da nossa guerra colonial são ingleses. Quando falávamos de Portugal confundiam-nos com Espanha. Deste nosso país não existia notícia, lá.
O improviso se vê aqui, nesta última fotografia de que me recordo tão bem: fazer sopa com as folhas verdes que se tiravam da couve-flor, cozinhar arroz como cá. Não me esqueço das dificuldades enormes, do SEF deles, perguntas e exigências... da exploração, do trabalho que nos saía do corpo: mas, mesmo assim, éramos "mais iguais". Acontecia-me encontrar no elevador do hotel, já arranjada para sair e sem a bata, com hóspedes que iniciavam uma conversa (de onde és? o que fazes aqui?). Recordo turistas japoneses de malas sempre bem fechadas, uns blocos pesadíssimos, o mau cheiro dos búlgaros, os chineses deslizantes, os americanos enormes e de língua enrolada: e um de sapatos amarelos de verniz.
Calculo que com o 25 de Abril se voltaria para Portugal mal fosse anunciada a liberdade e a mudança do regime. Mas nunca pensei que viver e permanecer "aqui" fosse melhor, aliás: nunca imaginei que se tornasse tão mau e em tão pouco tempo.
1 comment:
A leveza e o peso das memórias. Equilíbrio instável na vida de cada pessoa, penso eu.
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