Monday, November 29, 2010

Tremer-temer




A uns minutos de mim.
Tremo por dentro como se uma grande cólera ou um grande sofrer.
O vidro gelado arrefece o sangue na minha fronte esquerda. Tenho de o fazer, encostar a pele e os ossos à barreira que me separa do lá fora.
Para abrandar as dores do presente, tantas as passadas e adivinhadas as futuras.

Sangue-suor que palpitava tão doce e fluído com a alegria das cores dum lugar mais novo.
Sangue-sofrido que gotejou no limite da dor.
Sangue-sinal que surgia sempre como um augúrio de fantasmas ou um choro interior.
Sangue-raíz.

Cão feroz interior aguardando o momento de saltar.

Sunday, November 21, 2010

20.11.2010




Alice
já não mora aqui.

Fui encontrá-la no fundo da recordação duma avó feliz.
Que foi o melhor dela.

Wednesday, November 10, 2010

Ninho





Recolho-me
encolhida no meu lugar de ansiedade
esperando que as teias
as redes
os emaranhados outros que me prendem o largar
se desfaçam por si ou pelo vento

e me deixem assomar as humildes as encobertas
rentes ao chão as flores
e me deixem viver do pólen de viver, dia a dia como os bichos pequenos
simplesmente

Saturday, October 30, 2010

Kitty




Parece-me que sim,
de repente e pelas coisas e pessoas que nos tiram da vida, do dia a dia vulgar,
parece-me entender porque é que os egípcios mumificavam os seus mortos, os enfeitavam de tantas cores e símbolos.
E as estátuas que em todos os tempos foram feitas.
Monumentos, homenagens.

E de todos os dias as lembranças.
(como sabias que íamos de férias e te deitavas dentro da mala?)

Kitty.

Tuesday, October 26, 2010

Pele de folha


Num repente e na luz oblíqua do fim de tarde,
a pele da folha.
A folha da pele.

(Estou num - outra vez e mais ainda - Outono; mas já gostava do Outono em Outubro, anos 60, quando o caminho do liceu era "um heroísmo", ainda assim, dourado
- lembro-me agora que caminha para o nascente, aquela rua antiga, a das Belas-Artes)

Friday, September 17, 2010

Caminhadas



Deixo à minha companheira de vôos últimos, Lizzie,

(sabrinas de insónias)

os espantos, as perguntas de Gonzalo
e as botas de caminhos perdidos
(ou ainda por encontrar)
Peut-être.
Quiçá.

De gestos rosados




"Quando a lua cai à terra traz perfume de rosas e pousa no meu lavatório (sorriso).

Outras vezes, quando a lua cai à terra, tem sabor de gelado de morango."

Fotos e gestos de M. trazendo-me a cor com um click.

Wednesday, August 25, 2010

Das marcas de nós









Um dia andarão atrás dos meus traços
meus passos
escritos
expressões de gestos
de fotografias

(como ando eu, a bisneta que sou de jornaleiros do Douro,
andará a bisneta da mulher que sonhou outras vidas?)

E quem?

Saturday, August 14, 2010

Corrida a passo








Passa-te a correr o cavalo da juventude

soltos
os suspiros do amor
os verbos da amizade

E o potrozinho selvagem que domesticaste
torna-se um cavalo cansado das barreiras
- ainda e por vezes
de olhos doces
mas baixos

Sunday, August 8, 2010

Lugar






Porque me disperso.
E correm-me nos olhos imagens duma beleza que dói.
***
Havia um tempo e um lugar
que já não existem
nem ele lugar como era
nem eu tempo como sou
***
E em cada década os amei a meu modo, maravilhado, infantil, violento, nostálgico.
O lugar. O tempo.
Ficam segredos nas pedras.
Risos e pés descalços.

(Vi hoje "Tess" e voltaram-me as cores secas e douradas do fim do Verão)

Tuesday, July 20, 2010

Jogos





O que me surge na cabeça
são os cardos das palavras
os figos doces das pequenas mentiras
parecendo sem importância de maior.

Todo o xadrez que se joga e diz.

Saturday, July 10, 2010

As casas

Como dizia hoje uma amiga
de poesia-cavalos à solta

..."estão cansadas as casas"...


Eu tinha-as pensado hoje como corpos. Telhados desabados sobre vidas e sonhos.
Abandono que sinto.

Sunday, June 6, 2010

Ancients volcains

Um caminho que não sabemos quando será feito; só quando já o foi.

Alava alarga
alágrima que não nos lava nem nos larga
o interior da terra revoltosa
o interior nosso revoltado 

porque a ela tornamos
e só deixamos uma pedra-espelho de lembranças
no amor dos outros (ou não)
- sim, às vezes apetece-me a mística, a natureza torna-me religiosa num certo sentido de inocência e espanto e gratitude -

A lava sabe o que não nos conta, a precaridade. Do calor que arrefece.

Monday, April 5, 2010

Saudades

Hoje dizia a uma das amigas em rede:

às vezes sou parca
e fio
outras sou parva
e rio (de atirar)
outras feliz
e rio (de rir)
quando e ainda
saudosa
mio
(ou ouço)
um silêncio que já era
mas diferente
um silêncio de falta
tal qual quem sai.

( a Kitty estava simplesmente a dormir, nesse dia doutro ano - agora, quando descansou de vez, não a vi)

Sunday, March 28, 2010

Páscoazinha

Não tinha reparado que já há 15 anos me tinhas desejado "Boa Páscoa", gatita.
(eu tinha-te dito "venho já", isso é que me custa, Kitty!!! nem me deixaste falar contigo, tratar de ti como fazia quando estavas com soluços e eu te passava a mão no pêlo, nem vieste para os meus pés enrolar-te para te abrirmos a porta da sala, deixaste a comida "especial" que te tínhamos comprado, enfim, sabes que dormiria à tua beira nessa noite/nessa manhã para te acompanhar ... e não quiseste ... foi para me custar menos a mim?)

Entretanto, dou volta a duas décadas (quase) da vida cá em casa; e nem queiras saber o que me desgostei de pessoas e o que amei teres estado connosco.


Nas minhascoisassoltas, hei-de mostrar-te a tua mãe, a vadia Claudina, como cabias num sapato, as vezes que - afinal! - me brincaste, o que me assustava saltares para a varanda e, tenho a certeza, vou encontrar-te enrolada nos cobertores do nosso filho, um dia destes, quando ele vier.
Até sempre gataminha (anda-Kitianda).

Saturday, March 20, 2010

Gatinha

A minha gatinha brava cabia num chinelo.
Num vaso.
Cresceu em casa, viveu feliz e rodeada de cuidados.
Só eu não estive quando lhe queria falar de ausências, como lhe dizia " a gente vem já".


Talvez me espere a sombra dos seus olhos amarelos dizendo adeus.

Tuesday, March 9, 2010

O primeiro SOL


...quando depois de dias de chuva
a gente-mulheres lava a roupa, abre janelas, limpa humidades dentro e fora,

as aves gozam o tempo,
tão só isso!
Quereria...

Branco Feminino


Quando a diferença do branco
entre tantas cores apelativas de machos, os seus discursos ...

a diferença é Feminina!

Monday, February 8, 2010

Propositada a mente


Quando este lugar
este pensar

é ternura

Pessoas céus flores gestos bichos gotas