Sunday, March 10, 2024

Coisas antigas

Acontece algo de extraordinário quando assomam à memória recordações com quase 70 anos!

Nos anos 50, éramos visitados pelos "padrinhos" e família das duas aldeias de origem dos avós, Pombal e Valdigem, por brasileiros ligados família da madrinha da minha mãe(?), por amigos de amigos, geralmente gente com instrução e ideias republicanas ou, pelo menos, avançadas e proibidas à época. Lembro-me do café Rivoli e o grupo de amigos do meu pai, do Âncora d'Ouro, onde havia empregados à frente dos quais não devíamos falar de "certas coisas" (sabia-se que eram informadores da Pide), de alguns companheiros de campismo, do "Freitas", um pai de família visionário e muito culto, que sabia o nome e a posição das estrelas. Gente alternativa dessa época cinzenta. Os que emprestavam livros que não existiam nas livrarias e que o meu pai encapava em papel costaneira para esconder os títulos "subversivos". Daí as minhas leituras extravagantes nesse tempo. Como aprendi a ler muito cedo e adorava livros, lia tudo: Ferreira de Castro, Virgílio Ferreira, Aquilino Ribeiro, Emílio Zola, Jorge Amado, Joracy Camargo... eu sei lá! De todas essas experiências bebi, baixinha de idade dos 5 aos 10/11 anos mas atenta a tudo o que se passava e ouvia.

A determinada altura, apareceu um casal, mais velho que os meus pais, que professavam a religião Bahá'i e eram extremamente simpáticos e prestativos. Sabia eu que eram boas pessoas, iranianos ou seja, nesses anos eram persas pois vinham da Pérsia. De locais ou reuniões não me lembro mas eram visitas lá de casa. Mais tarde aprendi que professavam uma religião que dava relevância à união espiritual de toda a humanidade. Davam-nos muitas pequenas coisas: panos de tabuleiro, bordados como aqui não havia, utensílios de cozinha... Tudo nos era desconhecido pois não havia "supers" ou "hipers" com a panóplia de fornecimentos que existem agora.

Quando há 12 anos nos desfizemos da casa de meus pais, andavam por lá arredados dos olhos, estes pratos, não sei se são de vidro ou pirex. Das poucas coisas que recuperei. Um dia destes saíram-me ao caminho e fizeram-me lembrar aquelas pessoas e aqueles tempos descoloridos. Não me lembro se tinham chávenas, seriam apenas pequenos pratos ladeiros...

Gosto muito das cores deles e andam agora a ser usados, lembrando os amigos persas e a sua religião de boas práticas para uma Humanidade mais justa. 

Talvez porque hoje é dia de eleições e eu vi no boletim de voto nomes e símbolos cujos promotores - "democráticos", pois claro! - desconheço totalmente. O mundo está de pernas para o ar e já é indefinível a separação entre a verdade e a mentira.