Wednesday, October 23, 2019

Esta casa

Esta casa onde se vive e(re)vive há muitos anos.
Não tem sol e tem sol. Nascente-Poente como sempre imaginei que um lugar fosse estar onde eu estivesse.
É uma moeda de duas faces, de um lado tem grades e olhos tapados que escondem o horizonte, do outro o fim da tarde surge espalhado em reflexos que eu noto, de cabeça no ar.


Muita gente aqui passa, ou passou, ao largo e cá dentro.
Muitas coisas vi apenas destas janelas.
Um dia me dará para as recolher aqui, antiguidades.
Como as casas velhas que estão aqui há décadas, já sem os azulejos. Ainda lembro de lá morar gente, as janelas com cortinas, os jardins cuidados.
Posso dizer, como penso, que quem permite e se aproveita disto, deveria ser preso, culpado de abandono...
Uns contam tostões, outros têm anos ou décadas para o negócio especulativo, para esperar por milhões.



Já não há "A" árvore que me dizia das estações. Mais tarde apareceram três pequenas japoneiras a que sorri durante poucos anos. Hoje, asfalto, moderno e três pequenas árvores esgrouviadas. Entrou-se no sistema de "sistematizar" dirigindo, os automóveis, as pessoas, sem passar pela fruição dos espaços comuns. Estamos todos de passagem.
Cheguei a ver muitos poentes em diferido e os arco-íris abraçando o horizonte possível.







Olho para o alto agora, com alguma timidez, por sobre as ininterruptas filas de trânsito e paredes, prédios de todos os feitios. Hoje até já vislumbro um novo "super" recheado disto e aquilo.
Por aqui anda à solta a moda das casas fechadas ou de gente de passagem, é o turismo "sem rei nem roque" e o louco aproveitamento dele.
Não cabe aqui lembrar o mar e o sossego das ruas atrás. Nem há fotografias, só lembranças. Como de amigos perdidos.

Friday, October 18, 2019

Aguarelas e apontamentos de criança

Ultimamente, quando se compra revistas ou jornais, é porque são férias. Ou se escrevem postais. Ou se aponta o que vai passando para "depois de".
Assim foi na Visão, um artigo sobre Tolentino de Mendonça, agora cardeal. Figura que já conhecia e apreciava, do esforço de humanização e proximidade da religião. Dá-lhe um sentido.
Li aí palavras "que vieram ter comigo" nesta fase de pensar em menina pequena. Aqui as aponto.

"O mistério está todo na infância
é preciso que o homem siga
o que há de mais luminoso 
à maneira da criança futura." 

"Sentar-se no colo de uma avó e ouvir  uma história é ganhar para a vida um amor pelas histórias e pelos livros."
 



Neste Percurso de Ternura onde vais?
minha bela borboleta


minha flor a desabrochar em água de mundo


"Imagino que, no fim da minha vida, hei-de encontrar a minha primeira casa, o primeiro rosto que olhei, os primeiros que conviveram comigo, o primeiro pão que comi, os primeiros nomes que escutei. Para mim, ao fim da rua existe a infância. Não como realidade deixada inevitavelmente, mas como metáfora daquilo que me espera."
***
Entre muros e distâncias, és para mim o azul.
Talvez possas pensar, num dia, ao longe:

"É muito bela esta mulher desconhecida
que me olha longamente
e repetidas vezes se interessa 
pelo meu nome." 
***
Eu recortava papéis de jornal, pintava e desenhava, fazia colagens de bailarinas e flores, há muitas décadas, para uma mulher que também assim se chamava, de mau feitio diziam, mas que gostava muito de mim. Eram os quadros e os enfeites que tinha na sua pobreza, para colocar nas prateleiras dos pratos e tigelas, ou em cima da cómoda.


 (fotografias recolhidas na exposição no Museu Etnográfico de Campo do Gerês)
Na cidade, também os armários e a louça semelhantes. Lavar na pia comum.
A minha primeira casa, com os primeiros que conviveram comigo, dos primeiros nomes que escutei... avó Vitorinha, Leopoldina, Alice, Sarinha, Menina Lúcia, Mariette e Marietinha, Custodinha... a cada um corresponde uma história de vida que vou (ainda) lembrando.
Tantos "nunca(s)" calados.