Galopam os dias, de Dezembro, desordenados, na direcção das festas e mais festas. E sem um amanhã agradável.
Parte do meu coração está em Lisboa. "Somewhere over the rainbow..."
Tivesse eu os sapatinhos vermelhos e mágicos da Dorothy
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Galopam os dias, de Dezembro, desordenados, na direcção das festas e mais festas. E sem um amanhã agradável.
Tivesse eu os sapatinhos vermelhos e mágicos da Dorothy
Tu chamavas à tua mãe "Mãezinha", eu não me lembro de o ter feito a ti. Talvez quando era pequenina te tivesse sussurrado assim, ou certamente o fiz nos dias últimos em que o teu olhar já era vago.
Hoje é o dia em que nos obrigam a pensar nos que se foram. Não vou há anos ao lugar da família, que o Reinaldo comprou e escolheu à sua vontade, sem nada querer saber do que "nós", as mulheres da casa, poderiam decidir. Sabes que sou selectiva: dantes ia sentar-me ali em frente a falar e a pensar na Vitorinha e, contudo, estava a avó Laura ali ao pé. Nos primeiros anos também ia, falava-te que finalmente tinha posto o teu marido/meu pai em lugar subalterno: a teus pés. Agora, as forças ou a saúde vão-me abandonando e o fio da vontade vai-se tornando fininho.
Mas saberás que todos, todos os dias me lembro de vós, mãe-avó e filha-mãe. Nos gestos, nos ditos, na cozinha. Estás no quarto antes de dormir, com os teus belos cabelos e sorrisos. Dizias que não querias flores de plástico e durante anos pagámos as tuas flores naturais à vizinha, que tanto te gostava e tratou do teu lugar. Por isso, hoje pus na tua/vossa imagem uma flor de papel, uma esteva branca, do Alentejo que nunca viste. E para te afirmar que a "menina" é como um flor: havias de gostar muito dela. Certamente um gostar alegre, como gostaste de mim e me permitiste nascer.
Tem olhos azuis, cabelo castanho com mechas mais douradas e queres saber? encontro-lhe parecenças com a expressão terna e de aristocrata do tio Leonel. Sabes que sou muito imaginativa com aquilo que me toca no íntimo. Havemos de a observar no Universo, de uma estrela algures, combinado, Mãe?
Não sei onde esconder, ou revelar em escrita, estes 49 anos "aqui".
Os andares que procurei nesta zona, perto do emprego. Um acaso que tenha sido dois meses antes do 25 de Abril. A minha senhoria dizia quando éramos obrigados a falar com ela: "tiveram sorte, passados dois meses não vos alugava...". Coisas agradáveis da senhoreca da Foz que nos respondia, anos depois, também: "que não vendia porque não precisava de dinheiro".
Isso foi no tempo em que se partilhavam despesas com outro casal por grande necessidade. O sofá estava na parede em frente à janela da sala porque se via o mar, céu e o pôr do sol. Muito horizonte. Um dia, anos depois, voltávamos de férias com amigos, e ficamos em sobressalto: as ruínas de uma fabriqueta na esquina da rua, estavam a ser demolidas. O cerco apertava-se: a tipografia da Lello, um edifício baixo, e os jardins das traseiras, também levaram sumiço. A construção do prédio de gaveto em frente foi por fases nos anos seguintes. Reparávamos que nos iam "fechar": a poucos metros das varandas das traseiras ficamos voltados uns para os outros e foi-se construindo o quarteirão inteiro. Chegámos ver alguns dos primeiros andares para venda, eu e a minha mãe. Mas é sempre verdade que os "donos do dinheiro" têm sempre a última palavra. Neste caso, foi o meu senhor pai que nunca pôs a hipótese de viver perto da única filha.
Fechámos a varanda e pusemos persianas, tentando ter algum recato. Nestas décadas, mudaram muitas coisas, para pior: cortaram a minha árvore em frente e, há um ou dois anos, as construções alteiam-se à volta, num despudor moderno. As fotografias da árvore-saudação são de 2009.Quanto à ocupação dos andares, foi-se reparando: porque ao olhar as coisas e as pessoas vejo as metáforas de evolução do mundo que nos cerca. Este gato, por exemplo, caiu de um telhado alto para um terraço: ali ficou ferido e preso que tempos, falei à Câmara, aos bombeiros que responderam nada poder fazer. Eu e uma ex-vizinha em frente, ficamos a alimentá-lo, de longe e como se pôde. O apartamento em questão foi ocupado no início, uns meses? e depois fechou-se para sempre, pelo menos até hoje. A fotografia é de 2011.
E pronto, como esteve/está o país de "calções", aproveitaram os "cações" (que sendo peixe eu até gosto) e nas crises há sempre quem possa fazer negócio. Em tempo de recessão e de doenças. Feito de raiz, nas traseiras, um enorme prédio de escritórios.
E aqui estão a nascer há um ano e tal ?: um hotel improvável em frente, ao lado mais um prédio de não sei quantos andares - sempre um bocado mais altos que o último, que isto de nivelar o luxo é por cima e vende-se o ar bem caro ... Entupir as ruas, entupir as mentes, entupir os horizontes.
Sinto-me lerda e velha.
Mas para não acabar assim, pêga no entulho, algumas fotos surgidas das tais "metáforas", rasante/secante, em fim de dia pleno, em campo de férias, em reflexos,
Porque me parece, no silêncio, nos anos,
que a memória é um frágil e pequeno pássaro na mão.
Não há outra maneira de dizer da falta: saudades do coração das árvores, do vaivém das conchas antigas. Das pessoas que não estão, ou se separaram.
Pág. 63, do 2º caderno. Não me surgiu uma fotografia, surgiram-me as palavras:
"Somos a memória que temos e a responsabilidade que assumimos. Sem memória não existimos, sem responsabilidade talvez não mereçamos existir."
Talvez ... assome uma visão fotográfica, depois
depois
Falávamos as duas a seguir à pergunta: "O Avô vai morrer quando tiver 90 anos?". É inesperada a sensação, como se fica sem jeito e sem palavras para responder a uma coisa tão simples. Entre as ideias que lhe dei - não se sabe... - de estrelas a milhões de anos luz, onde estão guardadas no tempo infinito todas as imagens e tudo o que se faz, a memória onde sempre vive o que, e de quem, gostamos, fui explicando que a iríamos ver, sempre e quando se lembrasse de nós.
"Eu nunca me vou esquecer de vocês."
E todas mudas, falam de outros tempos. Estas últimas, na varanda de Manta Rota, não as trouxe, ficaram como um "adeus".
Ao mesmo tempo que escrevia, a propósito de tempo/faltas/perdas, recordei a vista em Reguengos de Monsaraz, o antes da Barragem do Alqueva, em Setembro 2001
A seguir, um registo da paisagem real - e as de cima foram reais! - o que vi há umas semanas.
E eis como se submergem as coisas físicas mas a terra, por baixo da água, permanece. O céu também é o mesmo. Há o testemunho das memórias, dos que ali viveram, amaram e morreram.
Mas nunca as árvores. Dá-me pena.
Não há recordação que não tenha seu fim
Ninguém é de ninguém
O mundo é mesmo assim
Já tive a sensação que amava com fervor
Já tive a ilusão que tinha um grande amor
Talvez alguém pensou no amor que eu sonhei
E que perdi também
E assim vi que na vida
Ninguém é de ninguém
Letra retirada da net, embora eu me lembrasse de toda esta canção, como me lembro de muitas. Por lá encontrei o nome do brasileiro Cauby Peixoto, música editada em 1960. Não sei bem se a ouvia por este intérprete.
Tentei reproduzi-la para reconhecer o timbre. Nada concluí: apenas que muitas vezes acordo com músicas da minha infância. A importância que têm os sons na vida de uma criança! Desde há tanto tempo, para mim, os olhos substituíram os ouvidos.
As imagens do livro que me ocorreram, neste tempo de enervamento e grande espanto, pelas pessoas pequeninas que vou encontrando, no país das minhas vivências. Impossível descrever melhor o que sinto, olhando à volta.
Fica o pensamento, solto.
A propósito do PPP dia 18 de Maio 2023.
Num lugar mais recatado, este, falo de capitais que conheço: são poucas. Fui aos recônditos das décadas da mente, passei lá adiante, aqui e ali, escolhi Paris. É uma cidade conhecida a pé, do antigo tempo, 1972-1973. Nas passagens de comboio Londres/Porto, Dover/Calais e um dia inteiro na capital de França. A andar de um lado para o outro, sem "museus" mas com ideias muitas. Como diria a Vitorinha "andava a talhar o ar" ou seja, a divagar.
Algumas das velhas fotos
E como não gosto de "faces" aqui apostas e que definam quem é quem, tive a ajuda de M. para o que chamo os seus "malabarismos" que aqui seguem. Uma graça!
Assim, colaborando, com lugares que nos dizem factos e aspectos comuns.
Apenas porque passei num lugar "Não me mexam nos JPegs" onde são publicadas muitas fotografias de todo o mundo e gentes; e muito aprendo e vejo e sinto.
Apareceram-me ontem duas fotos minhas, que já não recordava... Lugares de encanto e serenidade de que precisa TANTO a nossa mente. A minha, pelo menos.
Perto de Tavira e Ria Formosa, em 2013. Ponho-me a sonhar com magias, esperando que passados 10 anos possa repetir tudo.
Esta última é da costa de França, tirada da janela do avião. Para mim também é mágica!
E os jacarandás de Lisboa, em breve, revê-los.