Monday, December 3, 2012

A um amigo, com gatos






Em 17.10.2009, resposta-comentário. Um breve tempo em que A., espacial e especial,
era o homem bonito dos poemas "com peixes" e "esperanças".
Era um amigo das letras, de sorriso, que gostava de gatos. 
Foi há 3 anos que o escrevi, há quase um ano que ele deixou de existir: um nada na História, um abismo na memória.
(colecciono abismos, com gente que morre tal como com gente que se silencia. Porque também se vai morrendo, de silêncio)

"Escreveria então
talvez a pena
de nunca te ter conhecido.
"Antes" é muito tempo!!!

Com um pingo de brincadeira
uma gota de amizade
raspas de compreensão
uma canção conhecida
um gato da casa
um gesto

se fariam alegrias
as que perduram no tempo
mesmo que breves."

Tuesday, November 27, 2012

A medida do desânimo






Encostada a uma parede.
A torneira e o torno.


Em que medida cabe,
em que medida me afecta?
Em que prensa se esmagou a veia e a claridade,
o som da alegria e o azeite do desejo?

Em que pedras, em que moinho se me ficou o grão?

São dias de silêncios, dentro e fora.

Sunday, November 25, 2012

Aos meus idos


Do incêndio
ficamos na beira da estrada
nós, os jovens troncos.





Olhamos e falamos com pedras
e montes
pela penúltima vez.
Voltaremos na cinza dos lares
com a chuva
que nos dará  a liberdade
de sermos
inexorável regresso à terra.

Monday, October 15, 2012

Sempre





estás...nos pequenos passos que dou, quando (sinto) silêncio só em mim.
Porque a imagem que te tenho é viva e de sorriso bondoso: "fazes bem, filha!".
Esqueço as outras.

Olá mãe,
o mar, sabes?

Tuesday, September 25, 2012

Contar



...os meses e não acreditar. A morte é uma ausência inacreditável. Um terramoto exterior que tudo muda, um colapso interior que subverte o tempo.
Este falhar telefonar-te, perguntar, ouvir-te infinitas queixas, sem saber da última.

Esta falta de "tanto tempo de mãe" é demasiado contínua.
Todas as noites te falo mas todas as noites emudeces.
(olha, aqui verifiquei que as andorinhas cresceram e andam a treinar viagens, outras vidas,
mãe. Que dizes da ideia duma cor verde água para a entrada?)


Thursday, September 6, 2012

Ao meio, o ano






Mãe sabes que não te levo flores nas datas e tempos previstos mãe pensavas e dizias a outros "a minha filha sabe sempre o que há-de fazer"
não é verdade mãe olha que sem te ter perto há 6 meses sem perceber bem
tenho feito tudo por obrigação e instinto.

Achas que vá ver aquelas andorinhas de Maio, se já cresceram, se já partiram?

Monday, June 25, 2012

Pais



Hei-de passar o resto da minha vida sem vos perceber. Faz esta noite um mês que se juntaram num plano infinito.
Sem palavras, nem para mim nem um para o outro.
Se ao menos vos pudesse nascer uma árvore, uma planta, sobre a ausência!

(mas não, só oficialidades, papeis, lixo e pó; e o (in)clemente sol, a persistente chuva no vosso mármore)

Thursday, May 3, 2012

Maio-mês










Maio é belo na juventude, esplendor na saúde, promessa de outros ciclos diurnos, mais cálidos, mais longos.
Para quem sempre viveu o seu Maio intensamente como eu, com amigos, amores, fugas e desvios - e todavia voltava a este caminho conhecido - sinto este mês de grande sofrimento quando, afinal, a vida me transporta ao tempo das perdas.
Conto-os pelos dedos, ausentes.
Porque a Natureza se abre e o nosso lugar se fecha, sem os que se foram, com quem celebrámos Maio.

Não há rosas, nem lírios, nem azuis...
que nos confortem.

Saturday, April 28, 2012

... ou mente delicada



Estas coisas de coração decorativas de cor e acção
belamente inesperadas pelo tempo e trabalho, pelo improviso que ensaia encontrar gostos,
dão-me assim como que uma espécie de tépida ternura. E o correio também pode trazer ternuras, sem publicidade, sem contas - só mesmo sentimento almofadado
dentro de envelope.
A pequena felicidade que às vezes se toca: há panos com flores, há flores com panos, há só flores. De L., de A., de I., de M.
Já não me bordavam flores há que anos!
***
Saltam memórias de graça e juventude. E nunca perdoarei a mim mesma não ter "tentado" tirar uma fotografia a dois presentes com flores, isto num passado dos 30 anos, talvez até dos 20: um amigo que soube de repente que era o meu aniversário e foi ao mercado do Bom Sucesso. O gosto e o gozo que lhe deu ter comprado à vendedeira as flores, jarra e tudo, assim mesmo!
A outra vez foi ter chegado uma das minhas colegas derreada com "um monte", literalmente "a bunch of flowers", com as flores mais humildes-mais normais que a loja tinha nesse mês. Não era um ramo ... era um enorme apanhado de jardim inglês. Já lhes encontrei o rasto, nos quadros impressionistas.
Recuando ainda mais, um pequeno ramo de gardénias apanhadas de um arbusto, pousado ao lado da minha primeira máquina de escrever.
A memória pode ser perversa.

Sunday, April 15, 2012

Delicada a mente




...pega na memória com as pontas dos dedos e com as pontas dos olhos.

Incrustada e impressa que és nos meus gestos, nas coisas que gostavas comigo.
No que discordava de ti e contigo.

Não terei ninguém de quem falar do dourado, da minha infância, sabes?
Mãe.

Friday, April 6, 2012

Mês feito


Sempre te lembrarei, mãe,
em outros dias que não este e também

como um sobressalto uma brecha uma fenda
da vida minha.
Hão-de passar outros tantos anos
até que passe a margem onde estive antes, mãe.

Dos gestos






Vejo-me a tê-los, sempre tão parecidos!

Quando chego a um lugar "não meu" e tem ervas e campo
arranjo uma garrafa, uma jarra, uma coisa qualquer - e faço-o como meu.

(talvez por isso tão difícil perder "hábitos" também de pessoas).