Monday, October 16, 2023

Décadas nas boas-vistas e as metáforas

Não sei onde esconder, ou revelar em escrita, estes 49 anos "aqui".

Os andares que procurei nesta zona, perto do emprego. Um acaso que tenha sido dois meses antes do 25 de Abril. A minha senhoria dizia quando éramos obrigados a falar com ela: "tiveram sorte, passados dois meses não vos alugava...". Coisas agradáveis da senhoreca da Foz que nos respondia, anos depois, também: "que não vendia porque não precisava de dinheiro". 

Isso foi no tempo em que se partilhavam despesas com outro casal por grande necessidade. O sofá estava na parede em frente à janela da sala porque se via o mar, céu e o pôr do sol. Muito horizonte. Um dia, anos depois, voltávamos de férias com amigos, e ficamos em sobressalto: as ruínas de uma fabriqueta na esquina da rua, estavam a ser demolidas. O cerco apertava-se: a tipografia da Lello, um edifício baixo, e os jardins das traseiras, também levaram sumiço. A construção do prédio de gaveto em frente foi por fases nos anos seguintes. Reparávamos que nos iam "fechar": a poucos metros das varandas das traseiras ficamos voltados uns para os outros e foi-se construindo o quarteirão inteiro. Chegámos ver alguns dos primeiros andares para venda, eu e a minha mãe. Mas é sempre verdade que os "donos do dinheiro" têm sempre a última palavra. Neste caso, foi o meu senhor pai que nunca pôs a hipótese de viver perto da única filha.

Fechámos a varanda e pusemos persianas, tentando ter algum recato. Nestas décadas, mudaram muitas coisas, para pior: cortaram a minha árvore em frente e, há um ou dois anos, as construções alteiam-se à volta, num despudor moderno. As fotografias da árvore-saudação são de 2009.




Quanto à ocupação dos andares, foi-se reparando: porque ao olhar as coisas e as pessoas vejo as metáforas de evolução do mundo que nos cerca. Este gato, por exemplo, caiu de um telhado alto para um terraço: ali ficou ferido e preso que tempos, falei à Câmara, aos bombeiros que responderam nada poder fazer. Eu e uma ex-vizinha em frente, ficamos a alimentá-lo, de longe e como se pôde. O apartamento em questão foi ocupado no início, uns meses? e depois fechou-se para sempre, pelo menos até hoje. A fotografia é de 2011.

E pronto, como esteve/está o país de "calções", aproveitaram os "cações" (que sendo peixe eu até gosto) e nas crises há sempre quem possa fazer negócio. Em tempo de recessão e de doenças. Feito de raiz, nas traseiras, um enorme prédio de escritórios. 


 

E aqui estão a nascer há um ano e tal ?: um hotel improvável em frente, ao lado mais um prédio de não sei quantos andares - sempre um bocado mais altos que o último, que isto de nivelar o luxo é por cima e vende-se o ar bem caro ... Entupir as ruas, entupir as mentes, entupir os horizontes. 



A geração anterior evoluiu, pais e mães que conheci: melhores casas, melhores cuidados, mais liberdade e mais atenção da família. Temo que a "nossa geração" fique entalada, sem hipótese de mudança.

Sinto-me lerda e velha.

Mas para não acabar assim, pêga no entulho, algumas fotos surgidas das tais "metáforas", rasante/secante, em fim de dia pleno, em campo de férias, em reflexos,






Em vigilantes negros. Que gosto se pudesse descansar! Longe.



Thursday, October 12, 2023

Da memória

Porque me parece, no silêncio, nos anos,

que a memória é um frágil e pequeno pássaro na mão.

Não há outra maneira de dizer da falta: saudades do coração das árvores, do vaivém das conchas antigas. Das pessoas que não estão, ou se separaram.


(há mais de dez anos, e sempre)