Sunday, August 31, 2014

Fotos do passado (ano 1933?)

Foram hoje para o lixo, as molduras da avó, do avô e do tio Leonel. O belo, com ar de aristocrata, que tão cedo morreu. Os quadros que me acompanharam desde pequenina e falha de amor. Com quem eu falava, parentes próximos dos meus olhos e coração.

 Guardei as fotografias, caras sérias. Soube que eram bons pelos testemunhos de outra gente, dos vizinhos que os conheceram.
As molduras tão antigas largavam o serrim da madeira, dos bichos, esses seres que nem conhecemos e que na terra ou no ar nos desfazem em pó.
A avó Vitória teve 5 filhos: duas gémeas que morreram cedo, o Joãozinho, tão bonito no seu fatinho e boné de fazenda pied-de-poule, o Leonel e a Olímpia.
A minha mãe tinha os olhos cor de avelã. Por vezes mais esverdeados, como mar turvo.
Os olhos da avó foram azuis.

Sunday, August 3, 2014

Da mudança

Por alturas (ou antes) deste casamento

(A Alice, já a vi aqui a viver tão perto, ou ela ou a filha, das coincidências e cruzamentos da vida minha. Da Marietinha, não sei, emprestava-me livros e tinha um primo bonito, o Zé; lembro-me é da mãe que dava injecções, a Noeminha, mulher grande e enfermeira no Hospital, de quem eu tinha muito medo. Do Basílio, sei que deixou um filho loiro e fugiu para França, nunca mais se soube dele. A noiva, ainda hoje me chama pelo diminutivo de criança. Visita e limpa a campa da amiga, a minha mãe.)
Isto porque as mudanças.
Um guarda-vestidos da Vitorinha, juntamente com uma cómoda, deveriam ser os seus únicos móveis de casamento, nos anos 20. Lugar de tudo (pouco) o que era de guardar, de estimar e não mexer. Assim a boneca espanhola que dizia "mamã" e era maior que eu, revirava os olhos e tinha caracóis. Uma bolsa de missangas, tons de verde, rosa, linda (já vi do género em museus), com fecho de tartaruga. O meu conjunto de baptizado. Cartas do avô, escritas com tinta verde, alguma colcha ou toalha das festas raras.
Para abrir o gavetão de baixo onde se enterravam essas preciosidades, o meu esforço era enorme, de tão pequena ainda. Em cima do guarda vestidos, e quando sózinha conseguia pôr um banco em cima duma cadeira, outros tesouros alimentavam os meus dias: uma pequena escrivaninha portátil, com tinteiros de tinta anil, seca, e que fechava com uma cobertura corrediça de pequenas ripas de madeira, postais empoeirados da guerra 14/18 (não sei quem lá esteve), embrulhos de coisas de esconder, livros. Insisti com a minha mãe para que não se desfizesse dele, uns cem anos nos juntavam no tempo que entre nós, as mulheres da casa, fez um arco.
Eu sou unicamente a ponta solta dele.

O presente é tão precário e há tanta gente que precisa...
Dei-o para o quarto de uma adolescente que o modernizou a seu gosto.
Saudades, avó, de quando a vida toda nos cabia num simples móvel.